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A INJUSTIÇA DA JUSTIÇA TARDIA



Li, dias destes, que um processo judicial em um dos estados do país se arrasta há mais de 44 anos, num litígio acerca de um imóvel rural, não de uma vasta mas de uma pequena propriedade rural. E a demanda busca apenas a demarcação da área, sem querelas mais complexas.
Algumas gerações dos interessados frequentaram a lide, e consta informação de que quase a totalidade da área já foi alienada pelos proprietários originais.
44 Anos, o processo judicial neste caso perpetuou um conflito, congelou uma insegurança jurídica, patrocinou um litígio coletivo e o arrastou por quase meio século.
Restou ou vai restar algum saldo positivo dessa decisão final?
O caso é ilustrativo, entre tantos que a nação testemunha, e que solapa a confiabilidade no sistema.
Na Justiça Penal esta demora exacerba o sentimento de impunidade.
De todos os serviços prestados pelo Estado a Justiça é que possibilita o efetivo exercício individual da cidadania, através do Direito de Ação, onde qualquer pessoa pode buscar a proteção ou reparação de seu direito, ameaçado ou violado.
Este serviço compreende o pleito de quem busca uma pretensão e também a defesa de quem resiste a esta ação, ou seja, o direito de obter a tutela jurisdicional do Estado, de buscar Justiça, pacificando este conflito.
Um serviço de monopólio estatal, e não podia ser diferente em face do interesse público e repercussão social.
E com todo o interesse público envolvido, este essencial serviço está longe de apresentar a eficácia e contar com a confiabilidade plena da população.
Ressalte-se que o déficit nos quadros da magistratura é crônico em todo o país, e está no centro do problema.
A maioria dos Juízes cumpre com um volume de processos que, muito acima do razoável, conspira contra a efetiva atividade jurisdicional. O Estado vem atrasado, e sempre a reboque da demanda de um serviço cada vez mais acionado pelo cidadão.
A par disto, por envolver questões complexas, com ritos probatórios fundamentais, e pela necessária submissão à forma garantidora do equilíbrio das partes em litígio — o chamado contraditório — o processo judicial cumpre muitos prazos absolutamente indeclináveis, que faz sua dilação se arrastar no tempo.
Reiteradas reformas são propostas para buscar mais agilidade, novas medidas legais são adotadas, técnicas e ferramentas incorporadas, mas os prazos não cedem, o tempo de solução dos litígios não diminui e a imprevisibilidade dos desfechos judiciais resiste, como um fantasma a atormentar o cidadão e os operadores do serviço.
Mas é inquestionável que existe um enorme potencial recessivo de soluções e que não virá de nenhuma panaceia.
Mesmo porque todas estas inovações acabam por se acomodar em uma estrutura permanente, com vícios radicais que absorvem e anulam estas tentativas, num reacionarismo das formas que conserva, perpetua erros.
O famigerado protocolo que congela iniciativas nas prateleiras abarrotadas dos cartórios, a remessa de vistas que faz a ciranda dos processos entre todos os personagens na demanda, a cada nova linha produzida, e outras tantas formalidades fossilizadas pela praxe que retardam todo o procedimento, resistem.
Um excelente auspício já surge com a plena informatização do sistema, com a instalação das varas judiciais virtuais e a adoção do processo eletrônico, que traz a perspectiva da efetiva concentração dos atos, e o fim da interminável ciranda das comunicações processuais, especialmente com a plena publicidade instantânea dos procedimentos.
Existe clara disposição, e natural interesse da grande maioria dos agentes do próprio sistema, no seu efetivo aprimoramento.
E resta evidente que a transformação necessária que o serviço reclama, para incorporar agilidade, eficiência e plena confiabilidade, não virá do exclusivo incremento tecnológico ou de uma reforma legislativa, mas do engajamento de todos os operadores do Direito, e do próprio cidadão, acionando e valorizando o serviço.
Impõe-se diminuir as imorais estratégias protelatórias — ferramentas espúrias como técnica de resistência ou defesa — e combater o mórbido apego às formas, vez que a garantia maior que se oferece ao Direito é a efetividade e pronta resposta da Justiça. O Due process of Law, a forma que é garantia do devido processo legal, não pode estar a serviço da própria falência da Justiça.
É responsabilidade de todos.
Bem a propósito, tomo emprestada a frase do Professor Boaventura de Souza Santos:
“O sistema processual é tão burocrático que não se nota mais a presença de seres humanos nas ações"